quarta-feira, julho 25, 2007

HISTÓRIAS DA DITADURA


“ UM CORPO ESTENDIDO NO CHÃO”

Um cachorro pequeno passa pelo corpo, abanando o rabo. O corpo não se sabe de onde veio. Só se sabe, que foi deixado ali por quatro homens que vieram em uma Veraneio laranja. O bar, repleto de cachaceiros e gente do futebol de várzea, discutia que era melhor: Rivelino ou Tostão. Alem disto, a televisão preto e branco, ligada estava, nos gols da rodada, apresentados pela zebrinha da loteria. Ninguém ou quase ninguém, viu os Homens do carro preto, descerem e jogarem aquela pessoa. Mas todos ouviram o barulho do corpo ao se chocar com o chão, enlameado de vômitos da limeirinha, pinga da terra. Assim o curioso primeiro, avisou os outros, que o defunto era menino, no máximo dezoito e que tinha marcas de queimaduras espalhadas. Aí alguém disse: foi a dura, sem pena e sem dó. Nenhuma identificação, não era do bairro, nem nas redondezas. Os tempos eram de chumbo, se foi a dura disse outro, não vão querer o corpo. Deixa ele aí, os urubus dão conta amanhã. Um a um, tratou de pagar ou pendurar sua conta e ir pra casa. 20 minutos, após o depósito, pelos homens, na frente do bar (agora fechado), restou apenas o corpo. No caminho, os do bar, diziam aos passantes “Ta lá um corpo estendido no chão”.

“MEIO ANGUSTIADO, COMO UM GOLEIRO NA HORA DO GOL”

Saiu da escola, suando muito frio. Olhava por todos os lados, uma multidão, tomava as ruas, com cartazes e frases, das mais variadas, mas com um único objetivo. Era sua estréia, nunca participou de coisa semelhante. Fazia o terceiro ano do cientifico, as notas estavam entre as melhores da classe. Gostava de cinema europeu e do Oficina. Era muito mais, Vandré do que Tom Jobim. Conheceu o filosofo alemão do século 19, através de uma garota. Perderam a virgindade juntos. Foi lindo, mas era só tesão, não tinha amor. Conheceu os amigos dela, que disseram que ele era capaz. Passou por um aprendizado de uns 2 dias, com um deles. O espelho velho de seu pai, jogado no quintal, serviu para as aulas. A imagem e som são fundamentais, para a tarefa a ele designada. A expressão facial, não pode transparecer fraqueza e medo. Rosto firme, passando uma imagem facial, de Homem forte e disposto a ir até as ultimas conseqüências. Apesar disto, os movimentos com o corpo, são de todo fundamentais. Não se pode ficar parado igual poste, gesticular com as mãos, demonstra autoridade e discernimento. Tudo pronto. Ele seria o ultimo a chegar. Os outros iriam na frente. Faltava alguns detalhes: as pilhas e o caixote. Mas a turma garantiu, que tudo estaria providenciado. Atravessou aquela tarde o enorme portão de ferro, com detalhes de ninfas e monstros da mitologia mundial nas lanças. Eram apenas dois quarteirões, que em situação normal, o percorria em cinco minutos. Desta vez, pareciam cinco horas. O suor ainda muito forte, escorria pelo rosto. A camisa encharcada e não era verão e sim mês de Julho, meio do inverno. A eternidade do caminho, chegava ao fim. O povo lá, centenas, não se podia calcular. Chegou e avistou a cavalaria da PM, cercando a multidão e pronta para disparar o gás que lacrimeja e atirar (nem sempre é bala de borracha). Não dava mais pra desistir. Tinha que mostrar que podia. Aquilo era sério, vida real, não se tratava de HQ ou encenação Brechtiniana. Caminhou tendo ao lado os colegas que o treinaram. Quase chegando lá, a Polícia começou a agir. O povo reagia com pedras e paus. Chegou a hora. Ele empunhou o mega fone e subiu no caixote. Seu tamanho agora ultrapassava os dois metros, “angustiado como um Goleiro na hora do gol”, dirigiu um discurso de durou, menos de hum minuto. Despencou do palco de tabuas, desferido por um bastão de borracha da PM. Acordou duas horas depois no quarto da garota que o desvirginou, com uma baita dor de cabeça. Mas avisou, amanhã tem mais.


1 Comments:

Blogger Henry Villela said...

Isso sim dá roteiro para filme.
Muito bom.

julho 25, 2007 7:06 PM  

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