sexta-feira, maio 12, 2006

A ENTREVISTA


Chico Buarque declara voto em Lula e protesta: "nem Collor foi tão insultado"


O cantor e compositor Chico Buarque de Holanda reafirmou seu voto no presidente Luiz Inácio Lula da Silva em várias entrevistas de lançamento de seu novo CD, Carioca. À revista Carta Capital, o músico se mostra surpreso com o nível dos ataques ao presidente da República. "Os opositores se batem contra isso de uma forma brutal. Há insultos à figura do presidente da República como eu nunca vi anteriormente, nem mesmo ao Collor", avalia.

Ele elogia a eleição de Lula e repudia o preconceito e a tentativa de derrubá-lo. "A eleição dele foi muito boa para o Brasil. E despachar o Lula dessa forma não é bom. Simbolicamente é um retrocesso. E é o que as pessoas querem fazer. Ou seja, pessoas que nunca aceitaram muito bem a eleição de um operário metalúrgico e agora se voltam com toda a fúria", afirma Chico Buarque.
Com senso de humor aliado ao rigor crítico, Chico Buarque de Holanda aparece na imprensa, desde sexta-feira (5), afirmando que votará novamente em Lula, fazendo análises da crise que atingiu o PT, com o qual sempre manteve relações amistosas, e descredenciando a oposição tucana e pefelista, como alternativa ética ou política.
Na entrevista publicada pelo caderno Folha Ilustrada, do jornal Folha de São Paulo, edição de sábado (6), Chico Buarque detalhou suas opiniões sobre o momento político. "É claro que esse escândalo abalou o governo, abalou quem votou no Lula, abalou sobretudo o PT. Para o partido o escândalo é desastroso. Espero que disso tudo possa surgir um partido mais correto, menos arrogante. No fundo, sempre existiu no PT a idéia de que você ou é petista ou é um calhorda. Um pouco como o PSDB acha que você ou é tucano ou é burro [risos]."
Chico reconhece erros e limites no PT e no governo Lula, mas não vê autoridade no "senador canastrão que vai à tribuna e ameaça dar porrada no presidente da República". Reclama da política econômica de Lula, mas não vê novidades nas oposições. E considera que o preconceito das elites com o PT e com o Lula se expressa na imagem de que seria "hora de Lula voltar para a senzala."
Ele considera que a mídia "erra na mão" no teor e na densidade da crítica ao PT e ao governo federal. Ainda que sejam justas algumas dessas críticas. Porém, se comparada com o tratamento que a mída deu a FHC ele identifica uma clara distorção. Ele termina falando de cultura, de arte e de seu próprio trabalho.
Antes, referindo-se a figuras que estiveram no epicentro da crise partidária, Chico afirma: "A pessoa que chega ao poder é um pouco um fantasma daquela que deu a vida por algo que não se realizou."
Leia o trecho da entrevista à Carta Capital em que ele comenta a crise política:

CC.: No ano passado, o senhor manifestou a esperança de que a crise política tivesse algum proveito e não apenas provocasse "alegria raivosa" em quem não votou no Lula. Hoje, qual é a sua avaliação da crise?

CB: A alegria raivosa está menos alegre porque há uma grande probabilidade de reeleição do Lula. Os opositores se batem contra isso de uma forma brutal. Há insultos à figura do presidente da República como eu nunca via anteriormente, nem mesmo ao Collor. Tudo bem, está certo, o Lula, em ano eleitoral, faz o que pode para se reeleger e a oposição faz a sua parte para impedir. Mas acho que há uma rejeição despropositada, algo que passa do limite. Acho uma besteira bandeiras como "Fora, FHC!" Na verdade eu nunca bati muito bem com certos setores do PT. Nunca fui petista, mas, como votei seguidamente no Lula, me chamam de petista. Os petistas sabem que eu não sou petista. E eu via muitas vezes em alguns militantes essa arrogância de achar que quem não é petista é calhorda. Isso, pelo menos, é um proveito que se tira da crise. Acredito que o partido possa se reerguer, mas carregará essa mancha para sempre. E isso é bom.

CC: Mas o senhor acha que a crítica está acima do tom?

CB: Acho que há um desrespeito ao presidente Lula. Há um componente, sim, de preconceito de classe muito forte. As pessoas não diriam "vagabundo", "burro" e "imbecil" para um professor como Fernando Henrique Cardoso, sociólogo e poliglota, ou mesmo para um representante da elite nordestina como o Collor. As pessoas se dão ao direito de se referir ao Lula dessa forma. Esses preconceitos estão arraigados. Dizem: "Nós lhe prestamos um favor, para você ocupar o palácio por um tempo. Como não se portou direito, vai embora". Isso é grave. A eleição dele foi muito boa para o Brasil. E despachar o Lula dessa forma não é bom. Simbolicamente é um retrocesso. E é o que as pessoas querem fazer. Ou seja, pessoas que nunca aceitaram muito bem a eleição de um operário metalúrgico e agora se voltam com toda a fúria.

Para ouvir comentários de Chico sobre vários temas (política no Rio, conservadorismo, favelas, Rio/Sampa, paparazzi, drogas), dando ênfase a seu novo trabalho musical, acesse http://www.cartacapital.com.br/entrevista_chicobuarque/chico_parte4.mp3.
Leia também, o trecho da entrevista à Folha de S. Paulo, em que analisa a crise política:
Folha - No fim de 2004, em entrevista à Folha, você via uma onda de ódio aos pobres e de ódio a Lula no país. Entre aquele diagnóstico e a situação de hoje houve a crise do mensalão. Você está decepcionado? O que mudou no governo Lula?Chico Buarque - É claro que esse escândalo abalou o governo, abalou quem votou no Lula, abalou sobretudo o PT. Para o partido o escândalo é desastroso. Espero que disso tudo possa surgir um partido mais correto, menos arrogante. No fundo, sempre existiu no PT a idéia de que você ou é petista ou é um calhorda. Um pouco como o PSDB acha que você ou é tucano ou é burro [risos].Agora, a crítica que se faz ao PT erra a mão. Não só ao PT, mas principalmente ao Lula. Quando a oposição vem dizer que se trata do governo mais corrupto da história do Brasil, é preciso dizer "espera aí". Quando aquele senador tucano canastrão vai para a tribuna do Senado dizer que vai bater no Lula, dar porrada, quando chamam o Lula de vagabundo, de ignorante, aí estão errando muito a mão. Governo mais corrupto da história? Onde está o corruptômetro? É preciso investigar. Tem que punir, sim. Mas vamos entender melhor as coisas.
Folha - Como assim?Chico - Pergunte a qualquer pequeno empresário como faz para levar adiante seu negócio. Ele é tentado o tempo todo a molhar a mão do fiscal para não se estrepar. O mesmo vale para o guarda de trânsito. E assim sucessivamente. A gente sabe que a corrupção no Brasil está em toda a parte. E vem agora esse pessoal do PFL, justamente eles, fazer cara de ofendido, de indignado. Não vão me comover. Eles fazem o papel da oposição, está certo. O PT também fez o "Fora FHC", uma besteira.Mas o preconceito de classe contra o Lula continua existindo -e em graus até mais elevados. A maneira como ele é insultado eu nunca vi igual. Acaba inclusive sendo contraproducente. O sujeito mais humilde ouve e pensa: "Que história é essa de burro!? De ignorante!? De imbecil!?". Não me lembro de ninguém falar coisas assim antes, nem com o Collor. Vagabundo! Ladrão! Assassino! -até assassino eu já ouvi.Fizeram o diabo para impedir que o Lula fosse presidente. Inventaram plebiscito, mudaram a duração do mandato, criaram a reeleição. Finalmente, como se fosse uma concessão, deixaram o Lula assumir. "Agora sai já daí, vagabundo!" É como se estivessem despachando um empregado a quem se permitiu esse luxo de ocupar a Casa Grande. "Agora volta pra senzala!" Eu não gostaria que fosse assim.
Folha - Você acredita que o Lula seja de fato visto como uma ameaça pelos mais ricos?Chico - A economia, na verdade, não vai mudar se o presidente for um tucano. A coisa está tão atada que honestamente não vejo muita diferença entre um próximo governo Lula e um governo da oposição. Mas o país deu um passo importante elegendo o Lula. Considero deseducativo o discurso em voga: "Tão cedo esse caras não voltam, eles não sabem fazer, não são preparados, não são poliglotas". Acho tudo isso muito grave.
Folha - Você vai votar no Lula? Chico - Hoje eu voto no Lula. Vou votar no Alckmin? Não vou. Acredito que, apesar de a economia estar atada como está, ainda há uma margem para investir no social que o Lula tem mais condições de atender. Vai ficar devendo, claro. Já está devendo. Precisa ser cobrado. Ele dizia isso: "Quero ser cobrado, vocês precisam me cobrar, não quero ficar lá cercado de puxa-sacos". Ouvi isso dele na última vez que o vi, antes de ele tomar posse, num encontro aqui no Rio.
Folha - Vários artistas andaram criticando o PT, o governo e Lula. O meio artístico, ao que parece, não vai mais embarcar no "Lula lá".Chico - Pelo que eu ando lendo, a grande maioria dos artistas está contra o Lula. Tenho a missão de contrabalançar um pouco isso [risos]. Há também entre os artistas um pouco daquela competição: quem vai falar mais mal do presidente? Mas concordo em parte com o Caetano. Em parte.Quando ele fala que as pessoas do atual governo se cercam da aura de esquerda para justificar seus atos e reivindicar para si uma posição superior à dos demais, tudo isso também vale para o governo anterior. Os tucanos costumam carregar essa aura de esquerda com muito zelo. Volta e meia os vemos dizendo que foram contra a ditadura, que são intelectuais de esquerda. Fernando Henrique foi eleito como candidato de centro-esquerda. Na época a vice entregue ao PFL parecia algo estranho. Depois se provou que não era.As pessoas se servem do passado de esquerda como se fosse um título, um adorno. Na prática política essa identidade não funciona mais. Mas não funciona não só porque as pessoas viraram casaca. A história levou para isso. Levou o PSDB a se tornar o que é e obrigou o PT a abdicar de qualquer veleidade socialista ou revolucionária.
Folha - O que você acha do PSOL e dessa turma que deixou o PT fazendo críticas pela esquerda?Chico - Percebo nesses grupos um rancor que é próprio dos ex: ex-petista, ex-comunista, ex-tudo. Não gosto disso, dessa gente que está muito próxima do fanatismo, que parece pertencer a uma tribo e que quando rompe sai cuspindo fogo. Eleitoralmente, se eles crescerem, vão crescer para cima do PT e eventualmente ajudar o adversário do Lula.
Folha - Como você vê a atuação da mídia no escândalo do mensalão? Tem gente que ainda diz que a mídia criou ou inventou essa crise.Chico - Não acho que a mídia tenha inventado a crise. Mas a mídia ecoa muito mais o mensalão do que fazia com aquelas histórias do Fernando Henrique, a compra de votos, as privatizações. O Fernando Henrique sempre teve uma defesa sólida na mídia, colunistas chapa-branca dispostos a defendê-lo. O Lula não tem. Pelo contrário, é concurso de porrada para ver quem bate mais.
Folha - O rumo que tomou o Brasil e o mundo o faz se sentir derrotado? A sua geração perdeu?Chico - É evidente que parte da minha geração que chegou ao poder não lutou a vida inteira para isso. Eu vou dizer: até mesmo pessoas que hoje são execradas publicamente, como o Zé Dirceu...Não tenho maior simpatia pelo Zé Dirceu, não assinei manifesto em defesa dele, acho que ele errou, que ele tem culpa, sim, por tudo o que aconteceu, mas eu respeito uma pessoa que num determinado momento entregou a sua vida, jogou tudo o que tinha em nome de uma causa, do país.Como o Zé Dirceu eu poderia citar outros nomes que chegaram ao poder, mas chegaram despidos daquele sonho em nome do qual eles lutaram a vida toda. Quem sabe para chegar ao poder tiveram justamente que se render ao pragmatismo. A pessoa que chega ao poder é um pouco um fantasma daquela que deu a vida por algo que não se realizou.
Da revista Carta Capital