sábado, novembro 04, 2006

TEXTO DOS AMIGOS



O FETICHE DAS CÂMERAS


Alex Marques Rosa
Arquiteto e urbanista, presidente do IAB – Núcleo de Limeira
alexmrosa@terra.com.br- http://www.ideias-em-retalhos,blogspot.com/

“Sorria, você está sendo filmado”: mais uma vez, este chavão popular à minha frente. Sob os olhares dissimulados das câmeras, perdi a naturalidade. Mesmo que não oferecesse risco algum, dali em diante meus gestos ficaram marcados. Passei inevitavelmente a medi-los. Afinal, estando vigiado, o simples fato de colocar as mãos no bolso de meu casaco poderia despertar alguma situação de alerta.

É tão comum, quanto impressionante, hoje em dia vermos gente defendendo a instalação de câmeras de vigilância pelas ruas da cidade. Não mais restritas aos espaços privados, querem a todo custo espalhá-las pelos espaços públicos, como sendo a solução mágica dos problemas de segurança urbana.

Nos noticiários vemos que os valores para instalação de toda esta parafernália tecnológica são altos, mas até agora ninguém questionou qual seria o “preço social” da perda da espontaneidade dos cidadãos, prontos para serem transformados em atores neste imenso cenário no qual a cidade pretende se converter.

O vulto de dinheiro despendido com um sistema destes poderia ser mais útil e eficaz para a segurança pública se investido corretamente na educação, em programas para redução da miséria e das diferenças sociais, na construção de espaços públicos de lazer, a fim de ocupar criativamente o tempo ocioso das pessoas mais vulneráveis a entrar para o crime.

Este fetiche tecnológico da sociedade contemporânea, aliado à segurança ostensiva, está fazendo a cidade perder seus encantos, perder as estribeiras. Assustada com a violência generalizada, fruto de nossas profundas desigualdades sociais, a população poderá acordar tarde para o fato de que a violência das câmeras pode ser ainda mais profunda. Deixar-se vigiar, deixar-se monitorar, é alimentar um outro fetiche: o fetiche do poder, da sociedade mantida sob controle nas mãos de sei-lá-quem, sabe-se lá com quais propósitos.

Uma coisa é certa: as boas soluções nunca surgem das idéias mais óbvias. No quesito segurança, é preciso usar a inteligência para não submeter toda uma cidade à paranóia da vigilância. Precisamos de ações menos impactantes, mais inteligentes, de modo a superar as pressões do medo e recuperar a espontaneidade da vida urbana. Caso contrário, diante das câmeras e seus avisos, restarão – estáticos - apenas olhares profundos e sorrisos amarelos.