quarta-feira, setembro 05, 2007

O DESMORONAMENTO DO SONHO AMERICANO


Dos espetáculos que programei para assistir do III Festival Nacional de Teatro, este estava na lista e é era o um dos que mais ansiava em ver. Tomei conhecimento, do texto encenado, em um livro escrito pelo ultra jornalista Luis Carlos Maciel, que imortalizou-se como um dos fundadores do Pasquim. A obra chamava-se Anos 60, e se propõe a analisar os acontecimentos revolucionários e transformadores daquela década de ouro. No inicio do livro, Maciel, dedica um capitulo todo a obra do dramaturgo Edward Albee. Para Maciel, A Historia do Jardim Zoológico, foi um divisor de águas, para a Juventude Americana, do final dos anos 50, do século XX. O modo Americano de viver no pós guerra, é desnudado, pelo roteiro de Albee. Um País de resolveu sua crise, com a segunda guerra mundial, transformando-se na primeira potencia econômica e bélica do mundo, apresenta naquele período uma classe média envolta na prosperidade financeira e preocupada apenas com seu universo. Não importava aquela gente, a guerra fria, o subdesenvolvimento da América Latina e África, os conflitos na Ásia, bem como não enxergavam ali mesmo a segregação racial e social, que excluía negros e brancos pobres.

A soberba e a arrogância, crescia nos corações e mentes do Americano médio. Seu apoio as eternas ingerências do governo Norte Americano, na vida alheia e principalmente o ódio as populações negras, era uma realidade. O Jardim Zoológico, põe tudo isto por terra. Albee que teve seu auge como autor teatral, com Quem tem medo de Virginia Woolf, esmaga a hipocrisia, da Classe média. Maciel aponta que, as esquerdas Americanas, sufocadas pelo Estado Americano, que durante, os anos cinqüenta, cassou militantes comunistas ou não através do que se convencionou chamar de Macartismo, reacendem no inicio dos sessenta e admitem que foram influenciados pela obra de Albee.

Fiquei intrigado desde o inicio do espetáculo, montado pelo grupo de Brasília A Muleta. Durante todo o Festival, as filas para a entrada no Teatro Vitória era enormes, tamanho foi o sucesso da empreitada. Ao adentrar ao saguão, avistamos um violonista, que tocava o instrumento, a qual musica nos era inaudível, em função do barulho das pessoas, em seu encalço, um rapaz, idade abaixo do trinta, trajava roupas sujas e simples, bem como um mochilão, nas costas. Comia um sanduíche, acho que de mortadela, com uma aparência, velha. Os dois percorreram as instalações por vários minutos, até o publico acomodar-se no teatro. Lá dentro no palco, um cenário retratando, um parque, feito todo ele de papelão. No centro, um rapaz igualmente jovem ao primeiro, lia um livro, sentado em um banco de madeira. Ao contrario do moço da mortadela, este estava todo alinhado, tinha estatura enorme, barba feita e semblante aparentemente calmo. Parecia que este levava uma vida tranqüila e feliz.

Após minutos intermináveis de silencio, o espetáculo avança para um ritmo, que vai da voz macia e leve, para um final trágico e intolerante. Peter o homem grande, apostava que sua vida era boa e defendia o Status Quo, do milagre Americano, dos anos cinqüenta. Afinal, ele tinha esposa, duas filhas, era funcionário publico estável, com um salário de cinco mil por mês, e de quebra tinha dois periquitos como animais domésticos. Parece que não queria outra vida, apenas aquela que lhe dava o luxo de todas as tardes de domingo, ir ao parque e ler James Joyce e Dostoievski. A fome no mundo, o racismo, isto não lhe interessava. Já Jerry, baixinho e comedor de mortadela, era o oposto ao Americano típico. A antítese, do comodismo, próprio das classes médias. Não por que queria, ser um sobrevivente, em um universo, de desprovidos da terra, mas porque aprendeu a lutar. Sua fala é firme não há duvidas do quer. Assume seus atos, não tem vergonha disto. Solta suas angustias, em atos e gestos. Uma cena hilariante é do momento da disputa pelo banco da praça: Jerry, determinado, se apossa do objeto e nele defeca, urina e faz sexo, com o pedaço de madeira. Peter, oras Peter, é covarde, não tem certeza de nada, é intolerante e segregador.

O leitor pode estar pensando, é a luta de Classes. Talvez sim, embora Albee não era marxista, mas os elementos e o clima da época em que Jardim Zoológico foi escrito, propicia esta leitura. Alias a linguagem metafórica é o ápice do espetáculo. Ela esta em todos os cantos, do palco. Até no momento da cena de sexo, quando no canto do tablado, um coelho passa e espia o ato, sinal de fertilidade.

A História do Jardim Zoológico ou a História de Jerry e o Cachorro, merecia uma premiação melhor do Festival. Abocanhou os prêmios de Melhor Ator Coadjuvante para o Ator de Jerry e Revelação para o Diretor Diego Bressani. Foi ao lado de Primus, que já comentei aqui, para mim o melhor espetáculo da mostra teatral.

Lembrei do movimento Cansei e sua arrogância e cretinice, ao assistir o espetáculo. Como pensei na imensa maioria dos pobres, que vivem sem expectativas e perspectivas, mas continuam lutam com a vida e pela vida.

1 Comments:

Anonymous Anônimo said...

Linda sua detalhada impressão sobre o espetáculo "A História do Jardim Zoológico"! Tive a mesma ansiedade assim com o espetáculo "Cem Gramas de Dentes", com a Cia. Azul Celeste, do Rio de Janeiro... E batata: foi o meu predileto de longe! É incrível quando nos deparamos com algo que temos expectativas e elas são superadas! Gostei muito da "História do Jardim Zoológico"; todas as impressões que, posteriormente, pude entender melhor. Diferente de você, nunca tinha visto nada deste universo. Achei brilhante a atuação dos garotos... Mas o espetáculo não estava na minha listinha dos 3 prediletos, embora tenha gostado muito. Sobre "Primus"... Bem é uma obra de arte fundamental e até essencial pra nossas vidas. Um trabalho maravilhoso!

setembro 10, 2007 10:19 AM  

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